O mais notável nessa campanha por casamentos homossexuais não é o avanço dos movimentos gays e o ocaso de barreiras e preconceitos antigos mas o prestígio do casamento. Com tantos casais heterossexuais dispensando o ritual matrimonial para viverem juntos, a insistência dos gays em se casarem como seus pais deveria aquecer o coração dos mais radicais dos bispos. Eu sei que em muitos casos a oficialização do conúbio, se esta é a palavra, tem mais a ver com questões legais do que com romance, mas o que a maioria quer é o ritual. Quer as juras públicas de amor eterno e todo o simbolismo da cerimônia tradicional, mesmo sem véus e grinaldas. Era de se esperar que quem escolheu um relacionamento sexual, digamos, anticonvencional, muitas vezes tendo que enfrentar a incompreensão ou a ira dos conservadores, quisesse distância do que é, afinal, o mais "careta" dos ritos sociais. Mas não. Querem o tradicional.
Este fenômeno deve ter a ver com outro de difícil compreensão. Ouvi dizer que as formaturas nas universidades brasileiras voltaram a ser paramentadas, com becas e tudo, não por insistência de pais tradicionalistas mas dos próprios formandos, que em vez da informalidade que se esperava deles num mundo cada vez mais prático e sem tempo para velhos costumes ou costumes de velhos, exigiram todas as formalidades.
No fim as pessoas querem significado. Querem que o valor do que fazem seja enaltecido pela cerimônia, qualquer cerimônia.
Mesmo careta.
Seja como for, aposto que daqui a alguns anos, quando se puder fazer a estatística, menos gays dos que estão se casando agora terão se separado do que casais heteros. Se a instituição do casamento sobreviver aos tempos e aos modos, será em boa parte graças a eles e a elas.
Passado. (Da série Poesia numa Hora Destas?!)
Lembranças vagas.
Vultos sem precisão
no meio da serração.
Uma praça, um possível coreto
e aquilo será um mastim,
ou a tuba do Serafim?
A mesma em que, num domingo
entrou um gato desgarrado
e pôs-se a miar adoidado
no ritmo do dobrado?
Talvez com ouvidos afiados
ainda se possa ouvir os miados
como vozes abismais
repetindo "Nunca mais".
Vultos sem precisão
no meio da serração.
Uma praça, um possível coreto
e aquilo será um mastim,
ou a tuba do Serafim?
A mesma em que, num domingo
entrou um gato desgarrado
e pôs-se a miar adoidado
no ritmo do dobrado?
Talvez com ouvidos afiados
ainda se possa ouvir os miados
como vozes abismais
repetindo "Nunca mais".